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10 junho 2015

Até quando vai ser normal?

Foto: reprodução

- Nossa, esse celular tira umas fotos TOP!
- É um iPhone! Já que você está querendo trocar de telefone, por que não compra um desses?
- Tá louca? E se me roubam?

E aí minha colega riu do meu desespero e eu fiquei pensando no porquê de ela ter rido, o que em seguida me levou para novos questionamentos: até quando vou ficar com medo de comprar coisas por medo de elas serem roubadas? Até quando vou achar normal ter medo de ter coisas porque elas podem ser roubadas? Até quando vou me obrigar a viver num lugar onde é normal ter suas coisas roubadas?

Quando você passa a sua vida inteira vivendo uma realidade, dificilmente vai se importar em distanciar-se dela para analisá-la. Por outro lado, quando você conhece qualquer outra coisa que seja melhor que essa realidade, tudo passa a ser questionável. O fato de eu ser uma mulher agrava muito mais a quantia de questionamentos.

"Ai, Marla, vai me dizer que fora do Brasil não tem violência, roubo, estupro?". Claro que tem. Em quantidade infinitamente menor, mas é claro que tem.

Portugal foi minha primeira viagem internacional, morei em Coimbra por quase um ano enquanto fazia faculdade. Lembro-me claramente de que sempre avisavam às mocinhas que não era bom andarem sozinhas no Parque da Sereia, bem na praça principal, porque uma mulher havia sido estuprada lá uma vez. Então eu só tinha duas coisas a evitar: o Parque da Sereia e as ciganas (eu literalmente corri de uma morro acima - história para outro post). Teve uma vez que saímos tarde do bar e já não havia mais ônibus. Pensamos em pegar um táxi, mas era uma caminhada de meia hora pra chegar em casa, não valia a pena. Tínhamos medo de sermos assaltados no caminho. Todos os portugueses que estavam na nossa mesa riram. De gargalhar. 

O perigosíssimo Parque da Sereia, em Coimbra - PT

Depois fui morar em Londres por alguns meses e minha host family caçoou de mim quando contei como é nosso esquema de segurança no Brasil. Esse já rendeu um post e tá aqui. Depois de ser tão zoada por europeus, resolvi desencanar e voltava pra minha casa no leste londrino (considerado uma região suuuuuuper perigosa, ó meu deus) tarde da madrugada nos tão temidos ônibus noturnos. Nunca me aconteceu nada. Nunca me senti ameaçada, com medo - de ser assaltada, estuprada, agredida. Nunca. Você sabe precisar quando foi a última vez em que não sentiu medo?

No primeiro dia da minha segunda temporada em Londres, dormi profundamente em um parque no meio da cidade. Não havia policiais fazendo ronda, umas poucas pessoas almoçavam por ali. Na minha mochila estavam todos meus aparelhos eletrônicos, incluindo meu notebook. Acordei num rompante, batendo a mão à procura da mochila e ela estava ali - do mesmo jeito que eu a havia deixado. Eu dei bobeira? Sim. Mas vamos aqui fazer uma análise. Se eu tivesse pegado no sono assim no Parque Vaca Brava, será que minha mochila ainda estaria lá? Pior: será que eu precisaria ter dormido para ficar sem a minha mochila?

Russell Square, essa pracinha perigosíssima onde peguei no sono em Londres

No último feriado passei um dia na Cidade de Goiás. Em dado momento estendi uma toalha no chão e fiquei lendo meu livro sossegadamente. De volta a Goiânia perguntei-me se eu teria coragem de fazer o mesmo em um parque qualquer daqui. Qualquer um, you name it. A resposta é não. Eu já corro no parque ouvindo música no celular e pensando se estou atenta o suficiente para não ser assaltada em algum canto sem iluminação. Se eu devo passar embaixo da sebe mesmo à noite, sabendo que alguém pode me empurrar para o meio do matagal e me estuprar. E eu te afirmo: não sou a única a pilhar com essas coisas. Mas a pergunta mais importante é: até quando vamos achar normal ter que tomar tanto cuidado pra viver?

Até quando vai ser normal um cara matar a namorada a tiros no meio da praça de alimentação de um shopping? Até quando vai ser normal um cara esfaquear a namorada porque ela terminou com ele? Até quando vai ser normal uma garota morrer depois de ter sido vítima de um estupro coletivo? Até quando?

E eu te pergunto: se você tivesse a oportunidade de morar em outro país continuaria escolhendo o Brasil?
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